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A quem interessa mais um homem no STF?

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 As únicas posições jurídicas que temos de Zanin são as que ele publicou legitimamente em troca de honorários


O presidente Lula não vai nomear uma mulher ou pessoa negra ao STF, muito menos uma mulher negra. E para agravar o cenário, ele deve indicar mais um paulista branco pelo simples critério de recompensar um benefício genuinamente privado.

Em diversos momentos, Lula já afirmou que se trata de uma decisão "sua e de foro íntimo". Ora, não é a isso que se presta uma indicação à Corte Suprema, e o presidente tem que prestar contas à sociedade e aos eleitores. O presidente não está mais uma vez escolhendo um advogado que o defenda privadamente. A um ministro ou ministra do STF cabem as análises mais caras em matéria constitucional do país. Não se trata de uma corte revisional, e o presidente tem o dever de ser transparente com a sociedade brasileira.

É notório que o presidente Lula tem uma dívida e um sentimento de gratidão profunda ("essa coisa tão dele que não quer repartir com ninguém") com o advogado Cristiano Zanin, que o representou durante o seu processo na Lava Jato. Apesar de a operação ter chegado ao seu termo por questões de caráter político, não relacionadas com a competência jurídica e argumentativa de Zanin, se Lula ocupa o Palácio do Planalto e goza de irrestrita liberdade, um dos fatores certamente mais relevantes é a desenvoltura jurídica de seu antigo advogado.

É inquestionável que Lula deve sua liberdade e seu praticamente total status de inocência ao advogado. Porém, mais uma vez, a cadeira no STF não deve servir para retornar favores privados. Qual a opinião de Zanin sobre os limites da jurisdição constitucional? Sobre interrupção de gravidez? Sobre desapropriação de propriedade por uso de mão de obra escrava? Nada disso está claro ao escrutínio público. As únicas posições jurídicas que temos de Zanin são as que ele publicou legitimamente em troca de honorários.

Quando estamos falando de um tema tão caro ao universo jurídico-político brasileiro, como é a cadeira na corte constitucional, a "competência jurídica" não é um valor ensimesmado. O presidente teria a oportunidade de preencher um vácuo que resulta de todas as feridas ainda abertas do período da escravidão no Brasil, ao mesmo tempo que reforçaria o seu suposto apoio a pautas de representatividade de gênero.

Foi o presidente Lula quem indicou a segunda mulher a ocupar uma vaga no STF, Cármem Lúcia, e o terceiro homem negro, Joaquim Barbosa. Lula também indicou Ayres Britto como representação do nordeste, quando a Corte tem presença majoritariamente paulista e carioca. Além disso, o presidente garantiu a eleição e reeleição da primeira mulher presidente do Brasil — muito provavelmente também garantiu seu impeachment. É de se questionar o porquê de tal dívida privada entre Lula e Zanin se sobrepor às próprias pautas políticas do presidente e de sua base de apoio.

A questão da representação, como também da competência jurídica, logicamente, não é o único fim da indicação à Corte. Porém, mesmo que se considere que Zanin seja um verdadeiro gênio sob o ponto de vista jurídico, o trabalho que ele poderia executar à frente de uma cadeira do STF pouco diferiria do que uma notória jurista, ou qualquer pessoa negra, poderia exercer. Após atingir o limiar ótimo sobre o conhecimento jurídico, outros valores devem entrar na equação sobre a melhor indicação. Em outras palavras, o fato de Zanin ser muito competente aos olhos do presidente não invalida a indicação de uma jurista negra que seja proximamente competente. O valor da representação é tão válido quanto o valor competência. Ao final, ambos estariam entregando resultado semelhante em termos de atuação judiciária.

Quase 25% da população brasileira é formada por mulheres negras que nunca se viram representadas no STF. Essa falta de representatividade se dá inclusive nos quadros da OAB, que não apenas tem irrelevante número de negros, como menos ainda de mulheres negras. A importância de tal identificação se dá pelo fato de a corte constitucional não se limitar a uma mera instância revisional, mas tratar de matérias caras à sociedade. Em última análise, a falta de representatividade diminui a forma com que os anseios vindos das raízes mais profundas do Brasil são interpretados e endereçados.

Logicamente, movimentos para preencher vácuos de diversidade e representatividade devem acontecer de forma espontânea e natural — jamais pela imposição de leis que exijam características raciais ou de gênero para ocupar cadeiras no STF. Por isso, é importante que se cobre e se compreenda a fundo por que o presidente não está seguindo sua própria linha política.

A indicação do presidente Lula é, em tese, o que poderia cobrir essa lacuna racial e de gênero no STF. A pressão para que seja uma jurista negra a substituir o ministro Ricardo Lewandowski não virá da oposição, uma vez que essa não é uma matéria relevante para movimentos à direita do atual governo. Então, se as próprias bases não cobrarem do presidente, ninguém mais o fará.


Izabela Patriota é advogada formada pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), com mestrado em Direito Constitucional na Universidade de Brasília (UnB) e doutoranda em Direito Econômico e Economia Política na Universidade de São Paulo (USP). Izabela é diretora de Relações Internacionais no LOLA Brasil.


Este artigo foi originalmente publicado na Revista Crusoé.

 
 
 

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