Menos uma mulher, mais um homem no STF
- Izabela Patriota

- 4 de dez. de 2024
- 4 min de leitura
Se os próprios aliados de Lula não o cobrarem e não romperem com o silêncio embaraçoso sobre as indicações de homens ao STF, ninguém mais o fará

Lula e Cristiano Zanin no STF: "escolhas de foro íntimo" - Foto: Valter Campanato/Agência Brasil.
No Brasil de 2023 não estamos debatendo o aumento da representatividade de mulheres no STF. Ao contrário, vamos levar a baixa representatividade existente para um número ainda menor.
O presidente Lula, mais uma vez, não vai nomear uma mulher ao Supremo Tribunal Federal (STF), muito menos uma mulher negra. Além de desperdiçar sua segunda chance consecutiva no mesmo ano, com um intervalo de alguns poucos meses, o presidente vai substituir a ministra Rosa Weber, de saída, por mais um homem.
A pressão para que fosse uma jurista negra a substituir o ministro Ricardo Lewandowski, em julho, jamais viria da oposição. Timidamente, apoiadores do governo reclamaram da indicação de Christiano Zanin. O silêncio foi ensurdecedor. Agora, para a substituição de Rosa Weber em outubro, os poucos que fazem barulho são vilipendiados publicamente.
O que deveria ser uma pauta consensual entre os apoiadores do atual presidente está na verdade se tornando causa de rixa. Gregório Duvivier, por exemplo, ou todos os outros que apoiaram Lula em 2022 e agora estão cobrando a indicação de uma mulher negra, são alvos de linchamento virtual – o bom e velho cancelamento.
É vergonhoso para a militância que tanto apoiou a eleição do presidente Lula, por questões sobretudo de gênero e raça, agora enxergar a cadeira do STF como balcão de negócios. O Supremo não é mera corte revisional e o presidente tem o dever de ser transparente com a sociedade brasileira. A um ministro ou a uma ministra do STF, cabem as análises mais caras em matéria constitucional do país.
As prioridades de Lula 3 em suas indicações, no entanto, vão seguir a mesma lógica iniciada com Zanin: os novos membros do Supremo em sua gestão serão fruto de uma decisão “sua e de foro íntimo“. A princípio, de Zanin não eram conhecidas suas opiniões sobre os limites da jurisdição constitucional ou sobre qualquer outro debate jurídico caro ao país. Não apenas a resposta a essa legítima dúvida foi uma péssima surpresa para os apoiadores do presidente, como também estamos prestes a repetir a mesma tragédia anunciada.
Foi o presidente Lula quem indicou a segunda mulher a ocupar uma vaga no STF, Cármen Lúcia, e o terceiro homem negro, Joaquim Barbosa. Lula também indicou Ayres Britto como representante do Nordeste, numa Corte com presença majoritariamente paulista e carioca. Além disso, o presidente garantiu a eleição e reeleição da primeira mulher presidente do Brasil — muito provavelmente também garantiu seu impeachment. É de se questionar o porquê do receio sobre a confiabilidade dos novos membros do Supremo se sobrepor às próprias pautas políticas do presidente e de sua base de apoio.
É importante sempre reiterar que, ao falar de um tema tão caro ao universo jurídico-político brasileiro, como é a cadeira na corte constitucional, a “competência jurídica” não é um valor ensimesmado. O presidente teria a oportunidade de preencher um vácuo que resulta de todas as feridas ainda abertas do período da escravidão no Brasil, ao mesmo tempo que reforçaria o seu suposto apoio a pautas de representatividade de gênero.
A questão da representação, como também da competência jurídica, logicamente, não é o único fim da indicação à Corte. Mesmo que se considere que o homem indicado por Lula para substituir Rosa Weber seja um verdadeiro gênio sob o ponto de vista jurídico, o trabalho que ele poderia executar à frente de uma cadeira do STF pouco diferiria do que uma notória jurista, ou qualquer pessoa negra, poderia exercer. Após atingir o limiar ótimo sobre o conhecimento jurídico, outros valores devem entrar na equação sobre a melhor indicação.
Em outras palavras, o fato de um homem ser muito competente aos olhos do presidente, não invalida a indicação de uma jurista negra que seja proximamente competente. O valor da representação é tão válido quanto o valor competência. Ao final, ambos estariam entregando resultado semelhante em termos de atuação judiciária. Em última análise, a falta de representatividade diminui a forma com que os anseios vindos das raízes mais profundas do Brasil são interpretados e endereçados.
Logicamente, movimentos para preencher vácuos de diversidade e representatividade devem acontecer de forma espontânea e natural — jamais pela imposição de leis que exijam características raciais ou de gênero para ocupar cadeiras no STF. Por isso, é importante que se cobre e se compreenda a fundo o porquê de o presidente não estar seguindo sua própria linha política. A indicação de Lula poderia preencher essa lacuna racial e de gênero no STF, mas vai acentuá-la se substituir uma jurista por um homem.
Representatividade não é uma matéria relevante para movimentos à direita do atual governo. Então, se os próprios aliados do presidente não o cobrarem e não romperem com o silêncio embaraçoso sobre as indicações de homens ao STF, ninguém mais o fará.
Izabela Patriota é advogada e diretora de relações internacionais no LOLA Brasil.
Este artigo foi originalmente publicado na Revista Crusoé.




Comentários