Para juiz ladrão, 80 anos de prisão. Não aposentadoria compulsória…
- Izabela Patriota
- 10 de dez. de 2024
- 3 min de leitura
Mesmo juízes envolvidos em casos de pedofilia, estupro e outros crimes hediondos são afastados como forma de punição e continuam recebendo sua aposentadoria

Esta semana, Flávio Dino, ao encerrar seu mandato de Senador da República, decidiu mexer e num grande vespeiro: os privilégios aos membros do poder Judiciário e Ministério Público.
Ao contrário do restante da população brasileira, a aposentadoria para membros do poder Judiciário e do Ministério Público não é apenas um benefício previdenciário, mas um privilégio que faz jus ao nosso passado colonial e monárquico do Brasil. Patrimonialismo típico daqueles que confundem seus próprios bens com a coisa pública.
Para juízes e membros do MP, a punição mais grave em casos de infrações administrativas é a transferência para a inatividade, ou seja, o membro é retirado da ativa, mas permanece recebendo remuneração a título de “aposentadoria”. O benefício, portanto, assume caráter de sanção, o que corresponde ao desvio de finalidade do seu caráter de benefício previdenciário. Afinal, a função da aposentadoria é assegurar ao contribuinte condições dignas de vida quando não mais for possível o desenvolvimento de atividade profissional, não tendo qualquer fim punitivo.
É importante lembrar que o Brasil é um país de renda baixa e os brasileiros com renda mensal acima de 28 mil reais fazem parte do 1% mais rico no país. Atualmente, o teto constitucional de salários pagos a servidores públicos é de 44 mil reais. Isso quer dizer que a aposentadoria média de juízes e promotores está dentro dessa faixa de valor.
Tal tipo de "penalidade" é apenas uma das imoralidades que privilegiam os membros do Poder Judiciário. Regalias outras como férias de 60 dias ou mais, penduricalhos disfarçados de verbas indenizatórias que ultrapassam o teto constitucional salarial, entre outros, criaram uma casta que, do ponto de vista da moral democrática, não se justifica sob qualquer ótica. Ora, por que pode um juiz ter férias de 60 dias mais recesso judiciário? Não há explicação para o questionamento que não passe pela ainda confusa coisa pública brasileira recheada de patrimonialismo.
Não faz muito tempo quando, em 2013, os ex-desembargadores do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte (TJRN), Osvaldo Soares Cruz e Rafael Godeiro Sobrinho, foram aposentados compulsoriamente por irregularidades durante o exercício da profissão. Cinco anos depois, em 2018, quando as supostas irregularidades restaram inquestionavelmente comprovadas—como peculato e desvio de dinheiro —, a pena disciplinar não pôde ser revogada nem mesmo após a sentença condenatória.
Conforme argumentou o juiz Ivanaldo Bezerra Ferreira dos Santos, a inviabilidade de cassar a aposentadoria compulsória aplicada como pena aos membros do Poder Judiciário se dá por ausência de previsão legal e a impossibilidade de ampliar as hipóteses punitivas em desfavor dos réus. Necessariamente, tal interpretação se estende a todo e qualquer outro crime existente no ordenamento brasileiro. Ou seja, mesmo juízes envolvidos em casos de pedofilia, estupro e outros crimes hediondos são afastados compulsoriamente — como forma de punição — e continuam recebendo sua aposentadoria.
É evidente a necessária convivência harmoniosa entre os poderes da República. No entanto, agir legislativamente dentro dos parâmetros democráticos para reduzir privilégios do Poder Judiciário e do Ministério Público está dentro do rol garantido constitucionalmente pelos freios e contrapesos (checks and balances).
Nada na Constituição legitima a aposentadoria compulsória como penalidade, ou 60 dias de férias, ou mesmo penduricalhos disfarçados de verbas indenizatórias. Todas essas deturpações vêm ao nível infraconstitucional e é louvável que Flávio Dino encerre sua carreira no Poder Legislativo propondo a diminuição de privilégios do poder que vai passar a integrar: o Judiciário.
Nunca é tarde para cortar privilégios. Até alguns comunistas sabem disso.
Izabela Patriota é advogada e diretora de Relações Internacionais no LOLA Brasil.
Este artigo foi originalmente publicado na Revista Crusoé.
Comments