É preciso rever o pacto federativo
- Anne Dias

- 4 de dez. de 2024
- 3 min de leitura
Zema foi vítima de difamação com uma manchete tendenciosa, mas a desigualdade política entre as diferentes regiões tem de ser discutida

Seria Zema um separatista? O foco desta semana foi a manchete do Estadão que retratou o governador de Minas Gerais como defensor da separação entre o Sul e Sudeste, em detrimento das regiões Norte e Nordeste. A manchete foi extraída de uma longa entrevista concedida ao veículo. Contudo, ao longo de suas respostas, não é possível encontrar nenhuma menção a movimentos separatistas. Ainda assim, foi motivo de repúdio por governadores e políticos do Norte e Nordeste. Antes de aprofundarmos o assunto, é crucial esclarecer que Zema não promoveu nenhum tipo de divisão territorial ou cultural entre as regiões. Mesmo havendo uma tentativa de difamar o governador por meio de uma manchete tendenciosa e de uma repercussão injusta, a desigualdade política entre as diferentes regiões é um tópico que merece ser explorado.
A manchete distorcida foi motivada pela menção feita por Romeu Zema ao grupo do Cosud, o Consórcio Sul e Sudeste, que congrega os governadores dos sete estados das duas regiões. O grupo opera por meio de encontros realizados a cada 90 dias, nos quais são discutidos desafios comuns e há trocas de experiências que possam impulsionar o desenvolvimento das regiões. Esse tipo de alinhamento entre políticos de uma mesma região não é uma novidade, já que o próprio Nordeste possui o Consórcio Nordeste, criado em 2019 e apoiado por políticos que criticaram a postura de Romeu Zema, como o ministro da Justiça, Flávio Dino.
O grupo mencionado por Zema é formado apenas por governadores. No entanto, a união e articulação entre os demais parlamentares, como deputados e senadores, também deveria acontecer de forma mais intensa, para garantir a representatividade de seus estados. Isso porque há uma clara distorção na representatividade política ao se observarem as diferentes regiões do país. Quando consideramos o percentual de brasileiros residentes em cada região, o Sul e o Sudeste juntos representam mais da metade da população —ou seja, 56% dos brasileiros, totalizando 110 milhões de habitantes.
Quando abordamos a economia, essa disparidade se torna ainda mais surpreendente: as duas regiões contribuem com 70% do PIB brasileiro. Entretanto, quando analisamos a representatividade política, a distorção se torna evidente. No Senado, encontramos apenas 27 representantes das regiões Sul e Sudeste num total de 81 senadores. Na Câmara Federal, essa desigualdade persiste, não ultrapassando a metade da representação, apesar de englobarem mais da metade da população. O voto de um acriano vale quatro vezes mais que o de um eleitor do Paraná, enquanto o voto de um catarinense vale seis vezes menos que o de um eleitor de Roraima.
Sem contar que o modelo federativo estabelecido pela Constituição confere amplas competências aos representantes do Congresso Nacional, principalmente quando comparados aos representantes locais (vereadores e deputados estaduais). Deputados federais e senadores podem tomar decisões aplicáveis a todo país, que, frise-se, possui uma escala continental.
Estamos lidando com um território vasto e diversificado; por isso, assuntos como direito tributário, direito trabalhista, direito penal e direito ambiental, uma vez deliberados, terão abrangência nacional, mesmo com culturas, climas, economias e ambientes distintos presentes no país. Nesse contexto, dada a predominância de parlamentares de uma determinada região, é evidente que a legislação aprovada também beneficiará significativamente essa mesma região.
Além disso, através do cruzamento dos dados da Receita Federal com os da Controladoria Geral da União (CGU), é possível chegar à conclusão de que, da totalidade dos recursos encaminhados a Brasília por meio dos nossos impostos (IPI e IR), a maior proporção é destinada exatamente às regiões Norte e Nordeste, enquanto as regiões Sul e Sudeste são as que menos obtêm retorno, mesmo sendo as que mais contribuem.
Ao analisar o cenário político-eleitoral em um nível macro, as regiões também têm razões para se unir, especialmente porque a inelegibilidade de Jair Bolsonaro impôs o desafio de reunificar a direita para desbancar o atual presidente da República. Dos nomes que se destacam, todos pertencem às regiões Sul e Sudeste: os governadores Zema (MG), Ratinho Jr. (PR), Tarcísio de Freitas (SP) e Eduardo Leite (RS) têm sido os mais cotados. Para que essa aliança da direita se torne viável, é crucial a articulação entre os governadores a fim de levar um dos candidatos dessas regiões ao Palácio do Planalto.
Discutir o pacto federativo e a autonomia estadual não deveria ser encarado como algo sombrio. É crucial termos políticos que verdadeiramente representem os interesses econômicos de estados em regiões semelhantes, como Zema demonstrou de maneira exemplar. Não é novidade que há uma elite política arcaica que governa a maior parte dos estados brasileiros, mas é fundamental que essas elites restrinjam sua atuação à governança e tomada de decisões apenas nos estados que as elegeram.
Anne Dias é advogada, presidente do LOLA Brasil
Este artigo foi originalmente publicado na Revista Crusoé.




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